A rigidez para aprovação e renovação de substâncias químicas para a proteção agrícola na União Europeia coloca em risco a produção de alimentos e a segurança alimentar no continente. A análise foi feita pelo diretor executivo da CropLife Portugal, João Cardoso, no Podcast Ascenza sobre desafios e oportunidades do agronegócio global, legislação europeia e exportação dos países da América do Sul, inclusive o Brasil. Segundo Cardoso, desde 2019 não é aprovada pela União Europeia nenhuma nova substância ativa de base química.
O executivo comentou que, desde 2015, metade de todas as substâncias químicas que entraram em processo de revisão na Europa foi retirada do mercado ou teve seu uso restrito, tirando do agricultor ferramentas necessárias para garantir a produtividade. Mesmo depois de aprovados na Europa, os ativos químicos para a agricultura passam obrigatoriamente por uma revisão a cada dez anos, explicou. O Podcast da Ascenza pode ser conferido aqui.
Castro citou que, mesmo com todas as restrições, a maior parte das substâncias disponíveis para a proteção das lavouras na Europa ainda são químicas. “Das 439 substâncias ativas que temos hoje no mercado europeu, 347 são substâncias de base química, 67 biológicas e 25 são substâncias de base bioquímica”, explicou. De modo geral, ele apontou que vale também para o setor agrícola a máxima da medicina de que a diferença entre o remédio que cura e o veneno que mata é a dose.
Segundo Cardoso, a diversidade dos 67 produtos biológicos disponíveis é limitada, uma vez que muitos deles são variantes da mesma bactéria. “Temos uma grande predominância de substâncias ativas de base química em uso. Ainda há pouca variabilidade de substâncias biológicas”, afirmou. Nesse cenário, avaliando perspectivas futuras, os melhores caminhos são o desenvolvimento de novas substâncias biológicas e a manutenção no mercado das substâncias químicas já aprovadas, apontou.
“Estamos aqui num paradigma em que há uma saída muito grande de substâncias ativas de base química e não há reposição com novas substâncias. Os agricultores começam a ter bastante dificuldade em gerir resistências, novas pragas e doenças, porque não há uma reposição um por um de cada ativo retirado do mercado”, comentou Cardoso.
O regulamento em vigor na Europa (107-2009) para avaliação regulatória das substâncias ativas engloba a toxicologia, a exposição do operador e a exposição do ambiente. Segundo Castro, esse processo tem ultrapassado a análise de risco, elevando-a ao perigo. “Hoje os critérios de avaliação na Europa são baseados no perigo e não nos riscos. Temos que trabalhar a segurança alimentar e a tecnologia de aplicação do produto. A avaliação de risco na Europa não casa com a realidade. É um grande desafio”, afirmou.
O executivo defendeu que a adoção de novas tecnologias reduzem notavelmente os riscos dos produtos químicos. Ele acrescentou que, nesse aspecto, a União Europeia está bastante defasada. “Estudos mostram que, no Brasil, 55% dos agricultores inquiridos já incluíram uma ou mais tecnologias digitais na sua operação, nos Estados Unidos temos 60%, a maior porcentagem. Os estudos mostram que na Europa ainda estamos nos 25%”, disse. Segundo ele, a União Europeia precisa se espelhar no Brasil para proteger melhor seus cultivos.
“As práticas que poderemos trazer do Brasil incluem a experiência do manejo do solo, que está a ser bastante estudada pela parte da agricultura de conservação ou agricultura regenerativa, como hoje chamamos, e que pode ser uma excelente prática agronômica no presente e para o futuro da agricultura europeia”, afirmou Cardoso, citando culturas mais extensivas, como cereais e milho. Nessas culturas, acrescentou, o Brasil é uma das grandes ou a maior potência mundial. O executivo citou ainda a utilização de drones pelos agricultores brasileiros.
“Nós, Europa, somos altamente desenvolvidos em nível econômico, somos o continente com mais exportações agroalimentares, mas ao nível da produção agrícola estamos claramente a ficar para trás”, disse Cardoso, citando as novas técnicas genômicas.
“O Reino Unido fez em 2023 o seu enquadramento regulamentar para as novas técnicas genômicas. Portanto, até mesmo os nossos vizinhos britânicos nos estão a passar à frente. Há que olhar com seriedade para esse enquadramento, até porque o contexto político internacional, infelizmente, não é o melhor e a segurança alimentar deve ser assegurada, é um assunto muito sério”, destacou.
A retirada de ferramentas para a proteção das lavouras resulta em perdas econômicas, avaliou Cardoso, diante de desafios como alterações climáticas, novas e velhas pragas e doenças. “Com a ausência de ferramentas, arriscamos a ficar cada vez mais para trás, e o nosso mercado tem que ser forte”, alegou.
O gerente de marketing da Ascenza Portugal, Davi Silva, que também participou do Podcast Ascenza, junto com a gerente global de regulatórios, destacou que a competitividade econômica de uma União Europeia inclui soberania alimentar. “Para quem tanto se preocupa com a disponibilidade de alimentos, é preciso ter alimentos realmente de qualidade e a preços que sejam acessíveis às famílias. No fim da linha, é isso que está em causa, não só a qualidade, mas também a acessibilidade a bens alimentares seguros e de qualidade, isso é fundamental”, comentou Silva.
O desenvolvimento e aprovação de uma nova substância ativa para a agricultura percorre um longo caminho. “Segundo um estudo recente, desenvolver um novo produto demora 12 anos e custa US$ 301 milhões. E esse é um processo cada vez mais caro”, disse Cardoso. Nesse percurso são realizados 150 estudos de segurança em média nas diversas fases de aprovação do produto. “É um dossiê muito pesado e complexo”, acrescentou o executivo.
A primeira fase é a avaliação da substância ativa, feita pela Autoridade Europeia da Segurança Alimentar, a EFSA, que analisa todos os riscos, desde o operador que vai utilizá-la até o consumidor, através dos limites máximos de resíduos (LMR), que são amplamente estudados e depois têm um coeficiente de segurança de no mínimo 100 vezes para aquilo que é cientificamente comprovado.
“Eu gosto sempre de fazer uma analogia. No LMR de um tomate, para termos algum efeito visível da substância na nossa dieta teríamos que comer 7 mil tomates por dia, portanto, eu diria que morreríamos mais pelo excesso de tomate do que pelo excesso de pesticida”, comparou.
Após a primeira fase de avaliação da substância ativa, ela passa para a avaliação do produto formado, analisado por grupos de países da europa e, finalmente, o produto precisa ser avaliado e autorizado pelas autoridades nacionais de cada país. Os produtos não têm livre circulação na União Europeia, têm que ser registrados em cada país. “Há vários níveis de aprovação desde o estágio inicial da substância ativa, depois pelo legislativo da Comissão Europeia, depois pelos estados membros da UE e depois por cada país antes de estar disponível para o agricultor”, resumiu Cardoso.
Paula acrescentou que os investimentos para aprovação do produto formulado, país a país, estão crescendo exponencialmente. “Temos que manter e conservar os produtos que já estão registrados”, alegou. Segundo o executivo da Croplife, dois terços dos produtos disponíveis na Europa entram em revisão nos próximos dois anos. “A Comissão Europeia tem que olhar para os dados de forma séria e realista. Dar para a indústria de alimentos a mesma atenção que dá para a indústria tecnológica”, afirmou.
Em dez anos, quando a autorização precisa ser renovada, as guias de aprovação vão sendo atualizadas com novos critérios. “A equação de risco cada vez mais vai para o perigo do que para a exposição”, disse Cardoso. A fabricante decide, a partir dos novos guias, se vale a pena renovar a autorização do produto. O custo da renovação gira em torno de US$ 15 milhões, conforme Cardoso. “E é de se esperar que esse valor aumente também.” Há casos em que são solicitados estudos adicionais do produto para a renovação, o que torna o processo ainda mais oneroso.
Substâncias que saem do mercado porque não são aprovadas podem causar um grande problema fitossanitário porque a cultura fica descoberta de proteção. Cardoso citou como exemplo o arroz, em que há dificuldades para obter herbicidas com substâncias ativas disponíveis. “Por isso precisamos manter o máximo possível as substâncias na Europa. Não podemos nos dar ao luxo de não ter essa substância para proteger o cultivo. Se os critérios de aprovação fossem mais realistas, teríamos mais possibilidades de colocar novas moléculas no mercado”, afirmou.
Paula lembrou que, em alguns casos, os produtos enfrentam tantas restrições na Europa que, embora sejam seguros para a agricultura e para o consumidor, os investimentos são altos e não compensa para o fabricante mantê-los no mercado.
Os desafios de sustentabilidade são grandes, reflexos do contexto contemporâneo, comentou o executivo da Croplife. “A Comissão Europeia está a tomar posse para um novo mandato, no qual a ciência e a tecnologia são dos grandes reptos e nós, enquanto Ciência para a Proteção das Plantas, temos grandes responsabilidade em inovação e desenvolvimento para a produção dos alimentos”, disse.
Entre os compromissos assumidos pelos associados da Croplife, até 2030, está a proteção de pessoas e do ambiente. “Queremos formar até um milhão de agricultores ou técnicos até 2030. Devo dizer que já atingimos 66% desse objetivo e ainda não passamos da metade da década”, alegou. Outros compromissos são colocar à disposição dos operadores agrícolas sistemas de transferência fechados para reduzir sua exposição e também promover a economia circular, com o recolhimento de embalagens vazias. “A meta é recolher 75% este ano e devo dizer que já estamos muito perto do objetivo”, afirmou.
Cardoso citou o investimento de 14 bilhões de euros em ferramentas de agricultura digital de precisão e no desenvolvimento de biopesticidas. “Esses são alguns dos objetivos palpáveis que nós temos para a sustentabilidade e que queremos trazê-los para dentro do setor da proteção das plantas e também para o setor agrícola como um geral.” Entre as ferramentas tecnológicas, o executivo citou dados meteorológicos precisos, dados sobre o solo e técnicas genômicas.