Com presença do El Niño confirmada, produtores devem ficar atentos aos efeitos nas lavouras
O fenômeno que costuma preocupar principalmente com o risco de excesso de chuvas, pode causar ainda altas temperaturas e até queimadas. Para os próximos meses de 2023 os especialistas indicam neutralidade climática, mas com chances de mais influência com a chegada da Primavera, em setembro
Após um período de relativa neutralidade, os alertas climáticos apontam para o retorno do fenômeno El Niño, que não ocorre de forma intensa desde 2015/16 e com fraca influência desde 2018/19. A condição estará presente ao longo de todo o segundo semestre de 2023 e, como em outros momentos, é sempre motivo de preocupação para o agronegócio nacional. Isso porque seus efeitos, sentidos de diferentes formas em cada região, podem impactar no desempenho das produções.
No Nordeste e Centro Norte do Brasil, por exemplo, o El Niño pode ser responsável pelo aumento do período de seca e das queimadas florestais e de áreas de plantio. No Sul e abrangendo o sul de Mato Grosso do Sul e o estado de São Paulo, pode provocar chuvas mais intensas. No Sudeste, calor atípico. No entanto, antes de acreditar em especulações é essencial a atenção às previsões meteorológicas atualizadas, aliado à busca de orientações técnicas especializadas para tomar as melhores decisões em relação ao manejo das plantações.
El Niño moderado ou devastador?
Ao longo dos anos, a agricultura brasileira acompanhou o El Niño e passou a se adaptar às suas consequências. Presente a cada dois ou sete anos, o fenômeno é caracterizado pelo aquecimento incomum das águas superficiais do mar no Oceano Pacífico, mais especificamente na sua região tropical em direção à Oceania. Como consequência, o regime de chuvas é afetado em diferentes continentes, principalmente no Hemisfério Sul e, apesar da distância, o Brasil também sofre influência do fenômeno.
Seu impacto pode variar a cada surgimento e, de acordo com o boletim emitido pela Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera (NOAA) dos Estados Unidos, sua ocorrência atualmente está na faixa moderada, com previsão de se tornar forte a partir da primavera, em setembro. Ainda segundo o instituto meteorológico, essa intensidade pode se elevar e chegar ao patamar de “muito forte”, condição conhecida como Super El Niño.
No entanto, para o agrometeorologista, Marco Antonio dos Santos, da Rural Clima, isso não está claro no momento nos modelos meteorológicos. “O El Niño vem, não há como negar, mas será de fraca a moderada intensidade, com pouca anomalia na temperatura na região central do Pacífico. Eu descarto totalmente, pelo menos neste segundo semestre de 2023, um Super El Niño. Já para o primeiro semestre de 2024 é preciso analisar adiante”, ressalta.
O especialista acrescenta que o regime de chuvas não será ruim e considera que a próxima safra tem tudo para ser ótima. Segundo seus modelos, há previsão de chuvas para setembro no Centro-Oeste, ainda que de forma irregular. “Chegará sim mais cedo, mas não é toda área e todo produtor que conseguirá plantar assim que terminar o vazio sanitário”, define.
Para o Sul, os mapas indicam boa quantidade de precipitações, beneficiando algumas culturas de inverno, mas atrapalhando um pouco a colheita de trigo e a qualidade desse cultivo. Isso porque, além do maior volume de água à temperatura elevada durante esse período, o que acelera o desenvolvimento de doenças fúngicas. “Os modelos mostram chuvas regulares já em outubro, beneficiando o plantio do milho verão, em novembro chuvas muito boas, com irregularidades no extremo Sul do Rio Grande do Sul, mas sem falta de chuva, e dezembro choverá relativamente bem”, pontua.
Santos reitera que os índices demonstrados são muito mais próximos de neutralidade climática do que de um fenômeno El Niño muito forte. “O segundo semestre será muito mais úmido, o que pode atrapalhar a colheita da cana, trazer mais floradas para o café, porém, para a soja e o milho não vejo nenhum problema no Brasil”, completa.
Queimadas
Com os efeitos provocados pelo El Niño de chuvas abaixo da média, aumenta também a preocupação com relação às queimadas. Vinicius Lucyrio, meteorologista do Climatempo, observa que esse será o primeiro inverno inteiro sob efeito do fenômeno desde 2015 e a tendência é que o clima influencie de fato a ocorrência dos focos de incêndio.
Segundo o especialista, regiões como norte de Rondônia, grande parte da Amazônia, centro norte do Pará, Amapá e algumas áreas ao norte do Amazonas e Roraima, normalmente já recebem menos precipitações durante o inverno. Ele acrescenta que as temperaturas mais altas agravam a situação e os mapas já mostram essa elevação nos sete estados da região Norte.
“O ambiente favorável às queimadas precisa de condições de tempo seco prolongadas e essas são regiões que registram chuvas abaixo da média há algum tempo, e devem continuar assim ao longo dos próximos meses”, destaca Lucyrio.
Regiões produtivas importantes também podem sofrer com as queimadas, pois os mapas, conforme o meteorologista do Climatempo, demonstram calor mais intenso a partir de agosto no norte do estado de São Paulo, em Mato Grosso do Sul, grande parte de Goiás, Distrito Federal e Tocantins. “Temperatura alta acelera perda de umidade pelo solo, ar seco contribui com a degradação da saúde vegetal, então os produtores devem ficar atentos a essa situação de queimadas que deve ser relevante nesse ano”, finaliza.